- Por que você não atira? - Sai da cama que eu atiro, maldito. - Mas, se eu vou morrer, não tenho direito a morrer deitado? - Mas a cama é nova e tão cara... - E foi minha mãe quem nos deu. Presente de casamento. Então, se é para o casamento acabar, eu fico com a cama. - Mas você vai estar morto. Para que precisará da cama? - Não disse que eu vou precisar, mas ainda assim eu levo. Você vai ficar com todo o resto mesmo. Quando for solta, em uns vinte anos, poderá até usar e abusar. - Nenhum juiz de juízo condenará alguém que passou pelo que eu passei. - Se é assim que você pensa, atira. Que seja. Mas eu levo a cama comigo. Você também não vai querer dormir onde ela dormiu, vai? - A roupa de cama, eu queimo. O resto poderá ser usado. - Olha que foi um bocado de suor. Meu e dela. O colchão também está encharcado. - Você é um porco com todo esse suor. - Você nunca reclamou... - Chega, seu patife. Saia da cama e morra feito homem. - Eu lá ligo para morrer com dignidade. Além do mais, se eu não morrer na hora do tiro, ainda vou bater com a cabeça no chão. E eu odeio dor de cabeça. - Eu quem tenho motivo para estar com dor de cabeça. - Tem aspirina no banheiro... - Cala a boca. Vou esperar sentada na poltrona. Uma hora, você cansa e sai. Aí, eu te mato. - Então, tudo acertado. Pode me passar uma revista? - Cara de pau. - Ôôô... Meu último desejo... - Qual revista? - Hummm, Caras é uma droga. Já li a Veja. Passa essa com uma gostosa na capa. - A Nova? Mas é uma revista feminina - Bem, só a capa já está mostrando mais do que as últimas capas da Playboy. - Toma. Vou ler a Veja enquanto espero. - ...zzz... - Bom dia. Sabia que você acabaria deitando aqui. Nunca conseguiu dormir sentada. - Cadê a arma? - Guardei. No mesmo lugar. Hein? Mas já quer sair da cama? Fica um pouquinho,vai. Amanhã, você me mata... - E ela? - Mortinha. Culpa dela. Eu ainda a avisei para ficar na cama. Mas depois a gente troca o carpete.