- Filho! - Uhhhaaa. Hum... Que? Quem acendeu a luz? Que diabo é isso? - Não, filho. Não é o anjo caído, mas o Pai. - Rapaz, deixe de brincadeira. Queria me assustar? Pois conseguiu. Agora desliga este holofote, o megafone e a câmera escondida. - Filho. Tenha fé e escute o que tenho para lhe dizer: Você deverá salvar a humanidade. - Que? Eu? - Primeiro, deixe-me terminar de dizer a missão. - Mas você já disse. Salvar a humanidade, né? Já digo logo, não topo. - É o seu destino. Você deverá trilhar uma carreira política. Será um político honrado, ético, empenhado pelo seu povo. Não se envolverá em esquemas fraudulentos ou obscuros de nenhum tipo. Chegará ao governo de uma nação... - Impossível. - Perante mim, nada é impossível. - Olha, admitamos que você é Deus e não o fruto da má digestão decorrente da feijoada no jantar, você vota? - Como? - Bem, acho que você deve ter idade para votar... - Eu estou além do tempo. - Agora o Senhor está me interrompendo. - Bem... Ok. Minha paciência é eterna. Prossiga. - Como eu dizia, se você votar, será um voto. Se fossem deuses gregos, até seria um número maior de votos. Mas depois que vingou esta história de Deus único... - Mas eu sou infinito. - Lá vem o Senhor de novo... Deixa eu terminar, car... - Depois falaremos do se linguajar. Isto não ajudará na carreira política. Mas, prossiga. - Então, só teria seu voto, certo? Vai fazer o povo votar em mim? - Isto é uma pergunta, ou estarei interrompendo? - Depois sou eu quem é mortal e está lesado de sono... Vai, pode responder. - Dei ao homem o livre arbítrio. A escolha será do povo. - Então, esquece. Sem tua intervenção e agindo como a criatura mais bondosa da terra, não vou conseguir nem ser candidato. Acha que o coronel vai apadrinhar um homem honrado? Acha que os ricos vão fazer doações só por fé no meu empenho? Acha que as comunidades das favelas vão ter forças para apoiar quem não agrada o tráfico? Não teria votos, meu Deus. Leia os jornais. - Sua pouca fé me incomoda. Ainda assim, vejo que tem um certo acerto em sua argumentação. Talvez, eu deva refletir por mais dois mil anos. Então, volte a dormir e pense que isto foi um sonho. - Espera - Sim? - Se desse certo, depois que eu fosse eleito, qual seria o próximo passo? - Grandes exemplos à humanidade. Reconhecimento de sua luta pela paz. Depois, descrédito, privações. Uma morte muito sofrida. Uma cruz, uma cadeira elétrica, ou uma tortura com espada samurai. Ainda não decidi. O que importa é que, após tudo, com o tempo, viria o reconhecimento de que tuas lições estavam corretas. E a humanidade chegaria a mim. - Em quanto tempo? - Uns dez mil anos. - Sem querer ofender a Deus ou a um pesadelo de respeito, atualiza o processador. Em dez mil anos, pode não ter muita coisa pra consertar.