- Ô amigo... – Giovane faz sinal como se escrevesse na mão, o que todo garçom entende como o pedido de conta.
- Mas essas coisas de parece, mas não é. A Laurinha me falou que o chefe dela pediu que ela fizesse hora extra. Ela achou esquisito, pois não é muito política da empresa. Pensou logo em assédio, a boba. Trabalhou até tarde e ele nem sequer olhou pra ela de forma interessada.
- Vai ver, ela se sentiu ofendida com o desinteresse dele. – interrompeu Giovane.
- Uns dois meses depois – prosseguiu Fernanda, ignorando a interrupção – ela encontrou o chefe em uma festa gay. Ela foi por curiosidade e porque acha que tem tendência para o lesbianismo. E o chefe, todo sério e másculo na empresa, na verdade, tem um namorado.
Giovane, nitidamente, nem reparou no restinho da história e ficou, por alguns segundos, em devaneio sobre o lesbianismo da Laurinha. Já pensaria nela com a Fernanda, quando...
- Com licença, senhor. – O garçom entrega a conta. Imediatamente, Giovane a puxa e impede que Fernanda pegue-a primeiro.
- Essa não. Você me prometeu que me deixaria dividir a próxima conta.
- Eu menti. Não posso deixar de ser um cavalheiro
- Mas isto não tem sentido. Já tem dois anos que a gente namora, amor. E estamos até pensando em morar juntos...
- Ainda assim eu manterei meu cavalheirismo. - restabelece o rumo da conversa.
- Isto é coisa de machista.
- Por quê?
- É coisa de homem que não aceita que sua mulher também possui rendimentos e acha que tem que pagar tudo. Vocês não se incomodam se a gente gastar o nosso salário todo com sapatos. “Coisa de mulher”, vão dizer. Só que, se a gente mostra uma preocupação com o rateio de despesas dos dois, acham que é desonroso aceitar nossa ajuda. Não importam se estão passando dificuldades.
- Que é isso? Um instituto nobre e clássico como o cavalheirismo não tem relação com o machismo.
- Claro que tem. É um machismo disfarçado. Às vezes, meio afrescalhado. Mas é puro machismo. Uma forma indireta de dizer para a mulher qual é o seu suposto lugar.
- Você está enganada. O machismo não tem esse objetivo.
- E qual é?
- A conquista de sexo com a mulher, como tudo nessa vida. Me deixa explicar. Tudo que a humanidade faz e fez objetiva agradar à mulher. O homem só é cavalheiro porque, em algum, momento o sentimento feminino - que é algo geral, inexplicável e mutante – queria maior polidez no parceiro. Mas ele não deixa de se preocupar com posturas másculas e com a forma física, pois o feitor chamado sentimento feminino também gosta do ar de brutalidade. E isto são exemplos. Conquistas profissionais. Roupas. Dinheiro. Estilo. Esportes radicais. Tudo é meio de conquista. O homem pode se sentir feliz e achar que faz isto para si próprio, mas, no seu íntimo, ele sabe que o que deseja é o reconhecimento feminino, na forma sexual, de preferência. A coisa é tão séria que o homem foi para a Lua. Não havia nenhuma utilidade nisto, mas ele foi. Por quê? Só garanto que os caras da Nasa pegam muita mulher.
- Agora é que ficou machista. Você fala como se tudo fosse realizado pelo homem e a mulher fosse só a platéia.
- Lógico que não, meu anjo. A mulher também realiza coisas, mas ela almeja agradar a si mesmo. Está satisfeita com isto. É feliz consigo mesma. Por isto, eu falei que a raça humana apenas pretende agradar à mulher. O homem e a mulher querem isto. No final, eu estou sendo feminista. Digo que a mulher é plena em sua satisfação. O homem depende do sexo da mulher para sua realização.
- E os veados? E os padres?
- Os veados são os maiores escravos. Desistiram de tentar conquistá-las e passaram a invejá-las. Os padres. Bem, eu não acredito que eles sejam mentalmente castrados. E tem mulher que tem fetiche por padre. E mesmo se existir algum que não queira mais o sexo, ele ainda deseja a mulher. Espiritual ou mentalmente, mas deseja.
- Ainda não concordo.
- A gente continua a discussão em casa. Moço, fica com o troco. Boa noite. Vamos, Fê?