A idade chegou mais rápido do que ele aceitava. Quarenta anos. O rosto e o corpo negavam tanto tempo. Mas os cabelos grisalhos e os olhos revelavam o passar dos anos. Compenetrados. Voltados para a própria alma.
A vida vai bem vivida. Conquistas no trabalho. Saúde quase inabalável. Farras e aventuras vividas. Casamento estável. Mulher certa para estar (não é o mesmo que “mulher de sua vida”, mas funciona bem). Primeiro filho encomendado. Mas ele não aceitava a idéia de que a juventude passara. Não que ela não tenha sido bem aproveitada. Foi. Mas ele queria ser jovem hoje.
Viver as raves. Fazer tatuagens. Usar um piercing no furo natural do queixo. Talvez, outro na orelha. Ele aceitaria e se imaginava fazendo tudo isto. Era o meio para o objetivo: as adolescentes. Sexualmente obcecado pelas meninas alternativas, esquisitas... Ou o nome inglês que escolherem para definir as garotas de estilo irreverente, cabelos coloridos como um desenho animado japonês e ar de descaso.
Não apresentam a bunda das freqüentadoras de pagode. Os seios não são o meio de conquista, como são para as desesperadas que se encontra na balada. Corpos bem feitos e proporcionais. Como se o recente corpo infantil fosse democraticamente preenchido pela carne e pela volúpia.
Imaginava o beijo de uma garota com piercing na língua. Pensou em pedir para a mulher usar um. Ela jamais aceitaria. Não por ser conservadora. Ela diria que não combinaria com ela. Estaria certa.
Um dia, a visita de uma sobrinha. O irmão mais velho pediu que ela ficasse por cinco dias. Tempo preciso para que ela providenciasse algumas coisas para seu intercâmbio cultural e retornasse para sua casa. Baboseira irrelevante. Fazia uns seis meses que não via a sobrinha. Parecia pouco tempo. Até que viu a velocidade com que algumas pessoas mudam.
Os cabelos castanhos eram agora avizinhados por mechas vermelhas, escuras e finas. Estavam curtos. Pela metade do pescoço.
O corpo sempre foi esculpido pela natação. Porém, ela largou, pois temia ficar com os ombros másculos. Fez bem. Era bem torneada. Especialmente as pernas, realçadas por uma curtíssima e adequada saia de prega. Os seios dançavam pequenos e firmes no top fino e solto. Uma leve camada de ar entre o corpo e blusa. Só os mamilos ousavam ultrapassá-la e espiarem o mundo lá fora.
O respeito pela família. O medo infantil do irmão mais velho. O orgulho por nunca trair sua esposa. A espera do filho. “Tudo perdeu o significado”, pensava. Só importava o fetiche.
A sobrinha recebeu uma turma de amigas de igual estilo ao seu. Passaram para levá-la para uma festa. Fizeram questão de entrar em casa e cumprimentá-lo. Parecia um bobo. Mantendo a rigidez e ostentando a falsa preocupação de tio. Horário, locomoção, bebidas. Mas com os olhos vidrados na turma da sobrinha.
Noite de sábado. Ela fora com as amigas. Ele se perdia em sonhos eróticos. Orgias em raves. Sexo selvagem nos banheiros químicos. Suruba na imaginária Kombi pintada com desenhos tribais. O carro saculejando. Os vidros embaçados.
Banho frio. Domingo. Sai cedo. A esposa queria ir para a casa da sogra. Deixa-a lá e volta para acordar e pegar sua sobrinha. Deixou-a dormindo um pouco mais. Chegara tarde. Merecia o descanso.
Bate na porta do quarto de hospedes. Pensa em abrir, mas um resto de pudor o contém. A porta é aberta. Não era a sobrinha. Uma de suas amigas. Dormia com um blusão dele. “Peguei no varal. Espero que não se importe”.
O quarto exalava suor e álcool. “Elas transaram”, pensava. A sobrinha apareceu. Mais direta do que o sorriso maroto permitia: “Oi tio. Esta é a Malú. Ela te achou um gato”. Um cutucão da amiga. Algum palavrão que ele nunca ouviu. A porta é fechada na sua cara. Risos e o som de tapas leves.
“Ta-ta-tiana. A-a-cho que vou voltar pra casa de sua a-a-a-vó. Humrrum. (firma a voz). Tem comida na geladeira. Vocês podem ficar à vontade.”
“Tá bom, tio. A Malu está mandando um beijo”.– novos xingamentos. Mais compreensíveis. Tapas com força.
Enquanto dirigia: “Sou um covarde. Mas elas vão transar. Com certeza, vão transar”.