O FANTÁSTICO MUNDO DE CHUCK

17.9.03

Coluna do Devaneio

Relatório concluído. Sexta-feira. Perto do fim-do-dia. Entregar o relatório para conferência do chefe. Ele finge que rever. Diz que os dados não batem e pede que eu revise. Eu reviso. Se não encontro erro, invento um. Corrijo o que está certo. Entrego o mesmo documento. “Agora, parece está direito. Na reunião de segunda, nós conferimos com os relatórios dos demais.”

Toda sexta-feira, o mesmo diálogo. A reunião de segunda-feira é o único momento que importa. Todos trazem seus relatórios com erros. O que era para ser conferência, vira verdadeira elaboração. O trabalho de uma semana é feito em uma manhã. Todos saem fazendo pose de que agora tem que se preocupar com a alimentação de dados para o relatório da próxima semana. O departamento finge sua utilidade.

Mando imprimir o relatório. Estou cansado. Deveria sair desse emprego. Não agüento mais digitar dados e mais dados que sempre estão incompletos. Incompletude é o que me atormenta. O que quero? O que preciso?
Acho que deveria ter seguido meu sonho de infância: ser astronauta. Mas estudar para o ITA era muito para minha vida de surfista.

A impressora mexe, mas só o desenho no canto da tela do computador. Ela ainda está recebendo os dados. A secretaria passa ao meu lado. Linda. Mas resolveu se voltar para o mal: tem um caso com o meu chefe. Todo mundo diz isto. Eu ainda sustento que ele é brocha.

Vou fazer nova faculdade. Estudar e passar para medicina. Quero ser igual ao médico da novela. Fazer uma cirurgia por semana e ficar recebendo massagens de residente gostosa. Só que eu teria que estudar por pelo menos dez anos. Além disso, o Manoel Carlos não escreve o roteiro de minha vida. Se escrevesse, minha irmã seria lésbica e eu descobriria que sou filho de uma inseminação artificial. E o esperma veio de um primo mais novo. Não. Aí já seria coisa da Gloria Peres.

A janela de impressão resolve finalmente aparecer. Nada como um programa que leva cinco minutos para dizer que vai imprimir.

Advogado. Status. Pose. Dinheiro. Mas eu não sei mentir muito bem. Acho que vou embora para o campo. Vida tranqüila. Mulher sobrando. Crio umas vaquinhas. Vendo o leite. Não ganho dinheiro e fujo para a cidade em busca de uma melhor oportunidade.

Ela passa de novo. Esta vindo da sala dele. Fala com sua voz simpática: “O Dr. Almeida está te aguardando para falar sobre os dados do relatório da semana.” Sorrir. Apenas com os lábios. Mas sorrir.

Já sei o que quero: ser o amante da amante do meu chefe.

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